domingo, 23 de março de 2008

TINA TURNER - O REVÉS

Por Clau Sieber
A pequena Anna Mae Bullock sentia-se rejeitada pela mãe... Começa a história de uma grande Diva (apesar deste termo ser reducionista demais, no caso de Tina), no povoado de Nut Bush, na longuínqua Tenesse. Reduto de negros, mas também de brancos, Anna Mae cresceu respeitando as regras de um país racista. Onde os brancos eram brancos e os pretos, com a graça de Deus, podiam ser pretos. E tinham sua maneira própria de viver, sua moral questionável (mas não entre os pretos) seus ritmos, seus Holes - redutos de bares, inferninhos e muita, muita música preta.
Foi lá pelo fim da sua precoce adolescência, que Anna Mae conheceu Ike Turner, um mago da música local, que hipnotizava a todos, principalmente as mulheres.
Ike seria mais tarde a grande provação de Tina. Mestiça de índios e negros, a beleza de Tina é incomparável, mas a menina criada a pau e corda, não se achava bonita. Destacava-se no colégio, mas pelos esportes. Ia a Igreja, mas pra cantar. Ia aos Holes e lá ficava, quietinha, aguardando sua vez, assistindo, coração aos pulos, os Kings of Rhythm, banda e R & B (Rhythm and Blues), que Ike liderava, um sucesso absoluto na época, em St. Louis, por volta de 1950.
Desde a primeira noite em que subiu ao palco pra cantar, Ike viu em Tina um grande futuro (para ele, é claro), violento e dominador, este homem logo tratou de ter Tina como uma aliada, a princípio por uma estreita amizade (Tina teve outro envolvimento, e até um filho). Mas Tina já fazia tudo com Ike queria, com Ike pensava, como Ike imaginava. A parceira perfeita.
A velha saga das mulheres para se sentirem aceitas. Ike e Tina logo começaram a ter um caso... Ele casado, ela, apaixonada. Não demorou muito para que levasse a primeira surra. Não demorou também para que Tina se sentisse completamente controlada pelo medo.
E assim foi, uma sucessão de sucessos musicais, olhos roxos, lábios partidos, costelas e até mesmo um maxilar quebrado - e sem suspender as intermináveis excursões - 4 ou 5 apresentações por noite e ainda ensaios posteriores. Uma verdadeira escravidão. O incrível é que Tina não ganhava um tostão por seu desempenho na Revue (então nome da Banda), é certo que Ike lhe dava muitos presentes, e dinheiro para ir as compras, porque queria sempre suas mulheres muito, muito bonitas. Eu disse suas? Sim, Ike teve, ao longo do relacionamento com Tina, mais de 100 mulheres, amantes, - todas sempre de alguma maneira ao seu serviço. Rodeava-se delas. Era seu jeito de manter-se sempre no poder. Todas apanhavam sem exceção. A personalidade doentia e posteriormente psicótica de Ike Turner poderia ser o centro deste breve ensaio, tamanha era sua força e complexidade. Um cara mau, muito mau. Mas vamos nos ater a Tina. Afinal Outra Leitura é um espaço preferencialmente feminino.
Pelos final dos anos 60, Ike e tina eram sucesso internacional. A Inglaterra os adorava, Austrália e onde mais quer que fossem excursionar. Mas para Tina, era o sucesso de Ike. Demorou para ela perceber que as multidões enlouqueciam quando aquela cantora sexy e agitada, que mais parecia um furacão, soltava seu vozeirão que ia do rouco ao mais agudo, entre gemidos, gritos e susurros, profudamente sensual. E as pernas de Tina? Os vestidos eram cada vez mais mínimos. No palco, Tina vivia, por ainda fazer só o que Ike gostava, uma ilusão de si mesma. Mas ali ela conseguia fazer fluir toda sua personalidade e magnetismo. O público delirava. Tina enfrentou pneumonia, hepatite, (grávida), tuberculose, teve de cantar esguichando sangue após um parto, e, constantemente, Ike a arrancava dos hospitais a fim de não suspender as apresentações. Entrava rios de dinheiro... Ike construiu dois ótimos estúdios. Comprou propriedades... E Tina apanhava. Ike começou a cheirar cocaína e, as estas alturas, tornava a vida de qualquer pessoa próxima a ele um inferno. Chegava a ficar 5 dias acordado, no estúdio, e quando adentrava em casa era um demônio. As crianças corriam pra se esconder. As crianças: eram 4 (um filho de Tina, um filho dela com Ike, e mais dois meninos de Ike). Por eles, e principalmente por eles, Tina suportava tudo. E havia o encantamento do Show business. Brilhos luzes, roupas e perucas e, pouco tempo para refletir. Houve uma vez em que ela, em umas das raras vezes que se permitia refletir sobre si mesma, desistiu de tudo – pensar eu aquela grande batalhadora chegou a este ponto é terrível – mas Tina engoliu 50 comprimidos de Valium e ainda tentou ir até o palco... mas no camarim já desmaiou. Sim, ela ainda raciocinou que, se caísse no palco, Ike receberia o dinheiro da apresentação. Ela realmente achava que devia a aquele algoz. Isso foi em 1968 – quando Tina começou a odiar o cara. Demorou. Mas Tina começava a emplacar alguns sucessos solo (com permissão de Ike, é claro) e se distanciava emocionalmente cada vez mais dele. Começou a perceber seu poder, começou a ver vida dentro dela. Participou de um filme (Tommy) e viu que havia vida fora do espectro demoníaco de Ike. Em 1975 foi sua primeira tentativa de deixá-lo, claro que ele a achou e lhe deu um homérica surra. Mas isso não amedrontava mais a nossa deusa, ela já tinha apanhado demais pra ainda ter medo.
Em 1º de julho de 1975, Tina realizou sua derradeira fuga. Com apenas 36 cents na mão, por meses, precisou da ajuda de amigos. Nossa imbatível guerreira retribuía esta ajuda prestando serviços domésticos. Durante muito tempo ela e as pessoas que a auxiliavam sofriam ameaças e pressões de Ike. Quando ela se foi, os filhos contaram que ele chegou a ficar 14 dias acordado. Ela escapara do seu domínio. Seu império do medo começava a ruir. Tina não cedeu a nada, e, aos poucos, recomeçou uma banda, contratou dançarinas, e começou a se apresentar no circuito de cabarés – Los Angeles. Mas logo as gravadoras começaram a lhe dar chances. Principalmente depois do sucesso retumbante de Let's stay toghether. Tina pagou suas dívidas (ficou devendo cerca de 400 mil dólares), afinal Ike imputou a ela a responsabilidade e o prejuízo dos cancelamentos de contratos da banda. Ela nunca obteve nada com o divórcio, somente uma pensão para ela e os filhos. Tina desistiu de lutar com Ike na justiça. Queria paz e distanciamento dele. E o sucesso absoluto a consagração solo vieram. Com a luta e a dedicação de quem fazia das tripas coração, Tina Turner tornou-se ela só – um sucesso mundial. Sua história fica de presente a muitas gerações de mulheres. Principalmente para aquelas que pensam que chegaram ao fundo do poço. Ela nos provou, com seu revés, que sempre existe uma volta quando olhamos além do medo e da dominação masculina.
Atenção girls de todas as idades: a paixão pode escravizar. Olhos bem abertos. Cair em ciladas em nome do amor é normal, a vossa escritora que o diga. Mas persistir, ou se entregar - ou não se entregar – pode ser uma decisão nossa.
“Let’s stay toguether”, but take care...
Esta humilde explanação foi escrita após a leitura do livro EU, TINA – A HISTÓRIA DA MINHA VIDA, Curt Loder, editora Racco. Escrito em 1987. Confiram no You Tube a performance de
Let’s stay toguether - No rosto dela está estampado e dor e a delícia de se ser o que é. Vejam também no You Tube a performance de Beyonce, numa homenagem a Tina, durante o último Grammy. E muitos, muitos outros vídeos, até mesmo dos anos 60. Foto: Tina e Ike.

Um comentário:

fanatica10 disse...

Tina Turner um exemplo vivo de força e determinaçao, que com certeza serve de incentivo nao so para todas as pessoas ter esperança de dias melhores mas tambem para atuais e futuras cantoras do pop rock internacional.